Artigo: 633 / Publicação: 2005-11-21
HABILITAÇÃO PARA O MUNDO VIRTUAL
Será que existe jeito de você desfrutar das maravilhas da vida moderna sem necessariamente abrir mão de sua privacidade? Vamos dar uma olhadela em volta. Num arroubo de fantasia, suponhamos que você nem goste de informática e não tenha um computador em casa nem no escritório. Celular? Sim, pelo menos um celular você tem e usa, imaginemos assim. Cada vez que você faz um chamado com seu telefone móvel ou envia um torpedo, é possível achar direitinho a posição da estação rádio-base mais próxima de onde você está. Cruzando este dado com coordenadas geográficas obtidas via GPS (sistema de posicionamento global via satélite) e triangulando os sinais emitidos pelo seu celular, é possível descobrir o local onde você se encontra com precisão de até cinco metros.
Em certos locais da cidade, em shoppings, em alguns prédios e até em algumas ruas ou estradas, todos os seus movimentos podem estar sendo constantemente monitorados por câmeras de vigilância. Se você entra numa loja e paga com seu cartão de crédito, sua localização também fica sendo conhecida. O mesmo se dá quando você vai a um caixa eletrônico de banco sacar uns trocados.
Vamos agora cair na real e considerar que, sim!, você gosta de informática e que tem máquina em casa e/ou no escritório, todas penduradas na internet, é claro. Cada vez que você envia um email, entra num site de bate-papo, utiliza uma ferramenta de busca, faz uma comprinha besta online ou passeia pela web, vai deixando sem querer rastros por todo lado. Se você, como eu, se meteu nas arapucas megalomaníacas do Google, sejam Orkut, Gmail, Googlegroups ou Google Toolbar, sua vida conectada está sendo minuciosamente registrada. Os cookies que os diversos sites vão deixando no seu computador acompanham todos os seus passos e o seu provedor internet sabe perfeitamente quem você é, conhecendo também muitos de seus dados pessoais, profissionais e hábitos de navegação. Se você tem página web própria, escreve ou comenta em blogs ou participa de listas e grupos de discussão, então suas andanças na rede são bem mais fáceis de seguir.
Cada vez que você preenche seus dados num site, num formulário comum ou numa pesquisa, suas informações passam a fazer parte de um banco de dados. É claro que muitas das empresas ou instituições que recebem estas informações têm políticas de privacidade. Mas como confiar nelas, especialmente num país como o Brasil onde, infelizmente, o que predomina é a bandalheira? Quantas vezes você já informou seu email num formulariozinho em papel numa churrascaria, numa farmácia ou numa loja de roupas e misteriosamente começou a receber mais spam do que já recebia?
A partir do momento que as campanhas publicitárias passaram da propaganda em massa para os anúncios personalizados, aumentou imensamente o valor das informações particulares do cidadão. Fora isso, roubos de identidade têm sido cada vez mais comuns. Até os governos estão futucando mais na privacidade da gente, com o argumento de estarem nos protegendo de ameaças terroristas.
Se é perigosa a permanência de nossos dados em diversos bancos de dados espalhados pelo mundo, pior ainda é quando estes repositórios de informação resolvem se fundir através da interligação de seus arquivos.
A maneira mais eficiente de fugir desta gigantesca invasão global de nossa privacidade seria abdicar do uso de qualquer facilidade moderna que envolvesse armazenamento e recuperação de informações. Mas aí também seria loucura. A leitora estaria disposta a pagar este preço? Acho que não. Mas quem deseja continuar na vida modernosa, mas preservando sua privacidade, precisará se preocupar com um monte de detalhezinhos chatos. Em alguns casos terá mesmo que pagar por sua privacidade.
No caso do telefone, por exemplo, se quiser que seu número não conste na lista tem que pagar. Precisa pagar também caso queira que sua empresa telefônica não forneça a identificação do seu número quando você ligar para outra pessoa. Não vai demorar muito para que precisemos pagar também para resguardar nossos dados pessoais no mundo online.
No âmbito das soluções mais simples, você pode ter em casa uma firewall de verdade ou, como paliativo, um programinha de "personal firewall". Pode rodar seu antivírus atualizado e uma meia dúzia de removedores de spyware. Pode também criptografar todos os arquivos no seu HD ou até comprar os serviços de certas empresas que se dizem especialistas em remover dados particulares seus de máquinas de busca e bancos de dados variados. É possível também criptografar todas os emails que você envia, de modo que apenas os destinatários sejam capazes de lê-los. Ou então habituar-se a navegar na web apenas sob a proteção de um software anonimizador.
Acontece que o usuário comum não está nem aí para isso. Quer apenas usar a tecnologia para seu trabalho, sua diversão ou seus afazeres. No entanto, por desconhecer os riscos que corre, acaba se tornando presa fácil dos grandes mastigadores de dados. Quanto aos novatos, pobrezinhos deles, dá até pena. É quase cruel permitir que gente fascinada mas totalmente inexperiente se jogue de cabeça nas malhas do mundo digital.
Haveria algum jeito de proteger o cidadão comum? Há quem viaje na maionese, propondo uma carteira de habilitação para o mundo virtual. Segundo estes teóricos, se para trafegar nos logradouros públicos um motorista precisa comprovar que está apto e que conhece os conceitos básicos de segurança, poderia haver algo semelhante no mundo da internet. Só estaria autorizado a sair navegando, mandar email e visitar sites quem passasse numa prova de conhecimentos básicos. Quem fosse aprovado receberia um carteirinha ou um certificado digital e, só então, poderia abrir conta num provedor. Será que ainda veremos algo assim acontecer? Santa chatice.
* Os links de hoje estão em http://catalisando.com/infoetc/20051121.htm
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