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O GLOBO - Informática Etc.
Carlos Alberto Teixeira

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Artigo: 637 / Publicação: 2006-01-16

AVISO: NÃO ME INCOMODE

Ilustração do meu amigo Cruz, o mestre dos mestres.

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Na semana passada, Declan McCullagh, correspondente da CNET em Washington D.C., causou um considerável agito na comunidade plugada dos Estados Unidos. Graças a uma brilhante fuxicada ou a uma generosa dica (acredito mais na segunda hipótese) ele jogou no ventilador a notícia de que uma nova lei americana sancionada há poucos dias coíbe o envio mensagens anônimas via internet que incomodem o destinatário. Estranho? Mas é isso mesmo. Se um sujeito X mandar um email para o indivíduo Y com a intenção de incomodá-lo e este Y de fato se sentir incomodado pela mensagem, então X poderá ir em cana, a menos que se identifique claramente como remetente do email. Esta peça legislativa atende às mais fervorosas orações de gente que se vê diariamente atormentada por spam. Se passa a ser obrigatório que o remetente se identifique, então se ele enviar spam com seu email verdadeiro então estará cometendo um outro crime.

Agora, um momentinho. Se o cabra de peste enviar algum incômodo spam anônimo, como é que poderá ser pego no flagra e condenado? Bem, se o spammer for realmente fera não haverá como capturá-lo. Mas basta um pequeno descuido e ele dança. A infração descrita na nova lei é um crime federal. O texto está encravado na seção 113 de uma lei com o nome nada sugestivo de "Ato sobre violência contra mulheres e reautorização do Departamento de Justiça" (Violence Against Women and Department of Justice Reauthorization Act). Quem for condenado com base nela poderá ser punido com desde o pagamento de multas bem pesadas ou até dois anos de prisão.

Um dos pontos delicados desta nova lei é o vago conceito do que é incomodar alguém. Uma coisa que incomoda um cidadão não necessariamente incomoda outro. Existe ainda um outro complicador. Relendo o texto da lei, para o ofensor ser enquadrado, será necessário provar que ele teve a intenção de incomodar. Ou seja, se o acusado conseguir demonstrar que incomodou o outro sem querer, então estará a salvo. Sem dúvida é um terreno bem lamacento e muita derrapada ainda vai haver nos tribunais.

Num arroubo de fantasia, imagine a leitora que é cidadã americana e que certa manhã abre sua caixa de mensagens deparando-se com um email que a incomoda. Se a mensagem for anônima, então quem a enviou está cometendo um crime federal. Mas como proceder para denunciar o criminoso? E como pegá-lo? Valerá a pena a trabalheira? Segundo McCullagh, o jeito seria levar o caso ao conhecimento do FBI ou ao procurador de justiça, mas já sabendo que ambos colocariam a pendência com baixíssima prioridade em suas listas de afazeres.

O texto da tal lei diz mais ou menos o seguinte: "Qualquer um que ... utilizar qualquer dispositivo ou software que possa ser usado para originar telecomunicações ou outros tipos de comunicações que sejam transmitidas, no todo ou em parte, pela internet ... sem revelar sua identidade e com a intenção de incomodar, abusar, ameaçar ou assediar qualquer pessoa ... que seja o recipiente desta comunicação ... será multado sob o item 18 ou aprisionado por não mais que dois anos, ou ambos."

Especialistas em legislação americana apontam que o texto da famigerada seção 113 da dita lei foi reescrito a partir de uma lei já existente que trata de assédio via telefone, ampliando seu escopo para abranger também a internet. Estes mesmos especialistas apontam que houve uma hábil manobra para aprovar esta nova e controvertida lei. É que os favoráveis à sua promulgação incluíram-na em uma emenda que a princípio não tinha nada a ver com o assunto, uma peça legislativa destinada a prover fundos para o Departamento de Justiça. A tática funcionou lindamente. A emenda foi aprovada em plenário por voto de voz, em seguida foi aprovada com unanimidade pelo senado americano em 16 de dezembro de 2005 e foi direto para o Bush assinar.

Acontece que nem todo mundo ficou satisfeito com a novidade. Grupos ativistas em prol dos direitos civis, por exemplo, estão pondo a boca no trombone. O próprio Declan McCullagh argumenta que, sob a ótica das liberdades individuais previstas na constituição americana, existem razões perfeitamente legítimas para um cidadão criar um site ou enviar mensagens anônimas que certamente irão incomodar muitos dos que as lerem. Ele dá alguns exemplos.

O primeiro deles é o caso hipotético de uma mulher demitida por um gerente que a pressionou a prestar-lhe favores sexuais e levou um sonoro "não" pela cara. Esta mulher provavelmente quererá relatar o lastimável e vergonhoso fato, talvez em um blog pessoal utilizando pseudônimo, pois certamente vai querer se manter incógnita.

Outro exemplo seria o do cidadão honrado que deseja enviar email às autoridades competentes denunciando corrupção no governo local mas que, para evitar represálias, prefere se manter anônimo.

Sem dúvida é um tema que gerará ainda muita controvérsia mas, por enquanto, é assunto que afeta só os gringos lá em cima, não tem nada a ver ainda com nossa realidade tupiniquim. Mas que a confusão é boa e ainda vai dar o que falar, disso não tenha dúvida.

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