O GLOBO -
Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: Dvorak - Escrito em: 1998-10-22 -
Publicado em: 1998-11-02
O teclado Dvorak
UM ATENUANTE PARA AS LESÕES DE ESFORÇO REPETITIVO DECORRENTE DO USO PROLONGADO DE TECLADO
Pode ser que você seja uma fera no mouse ou um mago na touchscreen, mas o bom e velho teclado continua sendo o meio mais utilizado pelas massas informatizadas para entrar dados e comandos num computador. A disposição das teclas num teclado comum obedece a um padrão chamado QWERTY, nome dado simplesmente usando as seis primeiras letras da terceira fila de teclas e levando em conta que as outras possibilidades resultariam em nomes impronunciáveis -- ASDFGH e ZXCVBN.
A primeira patente de máquina de escrever foi arquivada em 1714 por um engenheiro britânico chamado Henry Mill. Nessa época, as letras eram dispostas no teclado em ordem alfabética. Ainda se vê no QWERTY um resquício desta ordem original, na seqüência de teclas contíguas DFGHJKL. Para os novatos que nunca viram uma dessas velharias mecânicas, os tipos de impressão ficavam nas pontas de hastes metálicas que funcionavam como martelinhos, acionados pela pressão que se fazia em cada tecla. Acontece que essas hastes emperravam com freqüência, o que infernizava a vida do datilógrafo. Um camarada muito engenhoso chamado Christopher Sholes, criou um layout de teclado que reduzia este emperramento constante. Só em abril de 1874 a empresa fabricante de revólveres E. Remington & Sons, que já tinha diversificado suas atividades para o ramo das máquinas de costura e implementos agrícolas, entregou no mercado sua primeira "Type Writer", baseada no protótipo de Sholes. Ele dispôs as letras de uma forma que estatisticamente reduziria a possibilidade de os martelinhos se engalfinharem em seu percurso até o papel. O padrão QWERTY, portanto, teve como objetivo resolver um problema mecânico que existia na época da máquina de escrever mecânica. Seu advento atrapalhou os datilógrafos, que tiveram que reaprender a digitar de acordo com a nova disposição, mas a produtividade alcançada acabou valendo a pena naquela época. O tempo foi passando e as novas gerações já começaram a aprender datilografia QWERTY sem questionar o porquê da disposição das teclas. Os martelinhos foram sendo substituídos por "margaridas" e "esferas", nas máquinas elétricas e hoje em dia os teclados de computadores são apenas conjuntos de delicadas chaves elétricas. Mas o maldito do QWERTY continua valendo, por inércia do mercado e acomodação dos próprios usuários.
Na década de 30, August Dvorak (primo distante do compositor tcheco Antonin Dvorak) e William Dealey, depois de estudarem por quase vinte anos os padrões de digitação em função do idioma inglês, criaram um novo layout para o que chamaram de "teclado simplificado", hoje conhecido como o teclado Dvorak (pronuncia-se com acento no "o"). Ao invés de se pautar na não-interferência dos mecanismos, o layout Dvorak otimiza o percurso dos dedos em função da ocorrência maior ou menor desta ou daquela letra em um texto comum. Isso faz uma grande diferença quando se digita grandes textos por horas a fio. Todas as vogais estão dispostas na linha principal do teclado, do lado esquerdo. Cinco das consoantes mais usadas estão na mesma linha principal do lado direito. Fica-se então com a seqüência AOEUIDHTNS.
O teclado Dvorak permite que 70% das letras sejam digitadas na mesma linha do teclado, ao contrário do QWERTY em que este percentual é de 31%. Favorece também uma alta troca de mãos durante a digitação, ou seja, aumenta a probabilidade de que você digite uma letra com um dedo de uma mão e a letra seguinte com um dedo da outra, tornando o trabalho menos cansativo e mais ligeiro pois, enquanto uma mão está teclando, a outra está se colocando em posição para pressionar a tecla seguinte. Poucas palavras exigem digitação com apenas uma das mãos no teclado Dvorak. Além disso, quando se vê alguém digitando num Dvorak, tem-se a impressão que os dedos se movem mais suavemente, como se estivessem tocando com leveza um instrumento musical.
Diversos estudos foram feitos comparando os teclados QWERTY e Dvorak, a maior parte deles apontando vantagens para o segundo. O Dvorak oferece 35% mais digitações para mão direita, 63% mais digitações na mesma linha de teclado, 45% mais digitações com dedos de mãos alternadas e percursos de dedos 37% menores do que no layout QWERTY.
Durante a Segunda Guerra, a Marinha americana sofreu com a escassez de datilógrafos e experimentou treinar os qwertystas no teclado Dvorak. Os resultados foram impressionantes, tendo aumentado a precisão da digitação em 68% e a velocidade em 74%. Como resultado, a Marinha mandou comprar milhares de máquinas Dvorak, mas o Departamento do Tesouro dos EUA vetou a compra, alegando que as repartições já estavam demasiado apegadas ao velho padrão. Eita conservadorismo! August Dvorak morreu em 1975 já de saco cheio em sua missão de fazer algo útil pela Humanidade: "Eles simplesmente não querem mudar!", disse logo antes de bater as botas.
Em 1945, ainda durante a Segunda Grande Guerra, um certo coronel Robert Allen perdeu seu braço direito. Sendo um escritor, encontrou naturalmente grande dificuldade em bater à maquina. Contatou August Dvorak e pediu que o ajudasse (eu já ia escrevendo "pediu uma mãozinha" mas ia pegar mal). Usando suas pesquisas anteriores, Dvorak desenvolveu disposições especiais de teclas para usuários que tivessem apenas uma das mãos, conhecidos mais tarde como os teclados Dvorak de mão-direita e de mão-esquerda. Poucos meses depois do desenvolvimento destes teclados, o coronel acidentado, que foi um dos primeiros usuários, já estava datilografando mais de 50 palavras por minuto.
É possível comprar um teclado Dvorak para o seu micro, mas caso você prefira manter o seu QWERTY atual, é muito fácil convertê-lo. É claro que se você decidir adquirir um, terá que morrer numa grana, mas sempre poderá desplugá-lo da sua máquina e plugá-lo em outra máquina qualquer. Por outro lado, a conversão por software é um pouco mais trabalhosa, mas é grátis. Se você usa Windows 3.X ou superior, a opção já está disponível no seu sistema. No Windows 95, por exemplo, existem as opções Keyboard / Language / Keyboard Layout: United States-Dvorak, United States-LH Dvorak e United States-RH Dvorak (LH - left hand / mão esquerda, RH - right hand / mão direita). Se você ainda (existe gente que ainda usa?) DOS puro, vai precisar do "supplemental disk". Se você perdeu o tal disco, faça um download no site da Microsoft, em <ftp://ftp.microsoft.com/softlib/mslfiles/DOS62SP.EXE>. Se você usa Mac, vários KCHRs estão disponíveis na Web, mas o melhor deles pode ser obtido no America Online, em <ftp://mirrors.aol.com/pub/mac/util/organization/dvoraklayouts.sit.hqx>.
Se quiser comprar um teclado Dvorak, as seguintes empresas o vendem: Key Tronic, Keytime, Kinesis Corporation e Northgate Computer Systems, com preços variando entre US$ 45,00 e US$ 390,00. Caso prefira a opção via software, você terá que substituir suas teclas atuais, ou então comprar adesivos para grudar nelas, exibindo a nova disposição de acordo com o padrão Dvorak. Os fornecedores desses adesivos podem ser encontrados no completíssimo arquivo FAQ (Frequently Asked Questions -- perguntas mais freqüentes) que dá todas essas dicas sobre o miraculoso teclado e que pode ser lido em <www.cs.washington.edu/homes/dylan/DvorakIntl.html>.
Adotar o layout Dvorak é uma opção de mudança radical de vida para quem já se acostumou a usar QWERTY desde que primeiro tocou num micro. Existem vários programas que ensinam e treinam os interessados na digitação Dvorak, por exemplo, os softwares Mavis Beacon Teaches Typing e Touch Typing Dvorak.
Se você pretende dvorakar, sendo um qwertyeiro de berço, seu tempo de adaptação vai depender exclusivamente do seu empenho nesse mister. Este período pode durar desde duas semanas até alguns meses. Alguns lunáticos conseguiram alcançar proficiência em Dvorak e manter seu desembaraço em QWERTY, declarando mais tarde que a convivência é possível, sendo algo parecido com falar dois idiomas completamente diferentes. No entanto, normalmente não dá para ser fera nos dois padrões ao mesmo tempo.
Mesmo assim, uma datilógrafa americana chamada Marie McDonald, acostumada com QWERTY durante 42 anos, resolveu mudar para Dvorak em 1983. Ficou ainda uns cinco anos usando os dois padrões por opção própria. Em 1988 aposentou-se e abraçou o Dvorak de vez. Conseguiu limpar o QWERTY da memória e hoje em dia cata milho quando precisa usar o velho padrão.
Outro exemplo a considerar é o de Barbara Blackburn, que aparece no livro de recordes Guinness como a mais rápida datilógrafa do mundo. É uma coroa muito simpática que, adivinhe... bateu o recorde usando Dvorak.
Para quem quer começar a aprender a datilografar do zero, um teclado Dvorak é muito mais jogo. Para alcançar a marca das 40 palavras por minuto, um aprendiz de QWERTY precisa em média de 56 horas de treino, ao passo que num Dvorak precisaria de apenas 18 horas.
Muitas pessoas que sofriam da Síndrome de Túnel Carpal declaram que usando Dvorak sentiram grande melhora, visto que este layout exige menor esforço físico.
Quem quiser maiores informações sobre o padrão pode entrar em contato com uma instituição sem fins lucrativos chamada Dvorak International, cujo único funcionário é o presidente, o Sr. Steve Ingram <[email protected]>. A página deles em <www.dvorakint.org> é uma excelente fonte de ótimos links sobre o assunto.
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