O GLOBO -
Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira e Cora Rónai
Artigo: Tele-trabalho - Escrito em: 1999-08-24 -
Publicado em: 1999-08-30
Trabalhadores, conectai-vos!
Com o boom ocorrido na Internet, cada vez mais gente troca o trânsito pelo modem
Legenda da foto: CAT, PIROPO e GRAVATÁ: os intrépidos teletrabalhadores do caderninho
Legenda da foto: RICARDO LAGOA, de um time de 45 funcionàrios da Xerox, e seu escritório portàtil
No pé da pàgina 10 da edição da "PC Magazine" que chega essa semana ás bancas (1 de setembro), um pequeno infogràfico informa que, em janeiro deste ano, o contingente de americanos que trabalham em casa, conectados ás suas empresas via micro e modem, alcançou a marca dos 11 milhões. Este número representa um aumento de 28% em relação a janeiro do ano passado, e aponta uma das tendências dominantes do mercado de trabalho globalizado, em que o que se compra é o trabalho das pessoas, e não mais o seu tempo. Trocando em miúdos, o que importa é o que uma pessoa produz - e não onde, ou a que horas, o faz.
Não é difícil perceber por que essa idéia faz tanto sucesso. Imagine-se em plena segunda-feira, ás 8h50m da manhã, encalacrado hà uma hora e meia num trânsito infernal, com a certeza angustiante de que não vai chegar a tempo ao escritório. Imagine também a cara do chefe, e a sua habitual ladainha sobre pontualidade e responsabilidade. Agora imagine que, se você fosse um telecommuter (nome que se dà, nos EUA, a quem só enfrenta engarrafamentos on-line), você jà poderia estar trabalhando hà horas - e, ainda por cima, sem sombra de estresse. Nem para você, nem para o chefe (afinal, por incrível que pareça, ele também é gente...).
Faz sentido, não é? A tal ponto que, como idéia, não tem nada de novo ou original. Na verdade, tem quase 40 anos de idade. Seu nome - teletrabalho - aplica-se a qualquer tipo de trabalho remoto, ou seja, o exercício da atividade profissional num lugar alternativo, fora do ambiente primàrio tipicamente usado por uma companhia. Mas foi só de uns tempos para cà, com a explosão das telecomunicações e o desenvolvimento da tecnologia, que pode se transformar em realidade palpàvel, em forma real de vida - e não, como antigamente, uma exceção á regra.
Na Xerox, por exemplo, o trabalho de 45 profissionais do departamento de atendimento a clientes de impressoras de grande porte jà se pauta por este conceito. Como a função dos integrantes da equipe é resolver problemas em equipamentos instalados nas dependências dos clientes, carregam sempre um micro-escritório, que pesa cerca de sete quilos. Este kit inclui um laptop, uma maleta de ferramentas e um ràdio. Um ràdio?! O representante técnico Ricardo da Silva Lagoa explica:
- Às vezes nos deparamos com defeitos que outros colegas jà resolveram. O ràdio é mais útil do que um celular porque, com ele, é mais fàcil encontrar quem jà tenha matado a charada.
O melhor de dois mundos: trabalhar em casa
Ser funcionàrio on-line, no entanto, ainda não é tão simples assim - e, certamente, não é para todos
Legenda da foto: PARA ALEXANDRE Cerqueira Monteiro, a experiência està sendo extremamente positiva; o segredo, diz ele, é ter bons equipamentos
O ajuste e a implementação da política de teletrabalho numa empresa envolve variàveis importantes como freqüência, localização, condições e tipos de trabalho, entre outras. No final das contas, trata-se de um acordo formal de trabalho em que os funcionàrios desempenham todas as suas tarefas oficiais, ou parte delas, em lugares e, eventualmente, em horàrios, alternativos. Normalmente, a opção é a própria residência do empregado, mas também podem ser usados escritórios satélite, centrais de teletrabalho, quartos de hotel, aviões, trens ou mesmo automóveis.
As centrais de teletrabalho, por sua vez, cada vez mais comuns, são, em geral, uma sala ou um conjunto de salas, em local distante do escritório central e mais próximo de regiões periféricas, suburbanas ou mesmo rurais, onde moram funcionàrios. Nelas são montadas estações de trabalho, ás vezes usadas em rodízio.
As conseqüências imediatas do teletrabalho são as vantagens sociais e ambientais: o empregado passa mais tempo junto á família, e menos tempo no trânsito. Com isso, fica menos estressado e, quase sempre, produz mais. Quanto maior o contingente de teletrabalhadores, tanto menores os engarrafamentos e a poluição. Mas, alertam os especialistas, é importantíssimo não confundir as coisas: teletrabalho definitivamente não é o serviço extra que tanta gente leva para casa para continuar na batalha madrugada adentro. Nesse caso, perdem todos, do funcionàrio e sua família, á sociedade e á empresa.
A onda de divulgação e esclarecimento sobre os benefícios do teletrabalho tem tido destaque na mídia americana. Isso porque as vendas de laptops e notebooks têm superado as de màquinas desktop, mesmo no mercado corporativo, o que é evidência indiscutível de mobilidade.
Ao mesmo tempo, com a ênfase dada atualmente á vida familiar, aos aspectos de saúde e á visão de se "viver a vida", tanto empresas quanto funcionàrios estão cada vez mais convencidos de que o teletrabalho não só é possível, como é desejàvel e, em última instância, lucrativo para todos.
Quanto mais teletrabalhadores uma empresa tem, tanto menos espaço de escritório precisa, o que é vantagem econômica consideràvel. Mas, curiosamente, a eliminação total do espaço coletivo é contra-produtiva. Em todas as experiências radicais realizadas até agora, percebeu-se que as pessoas sentem necessidade de se encontrarem para trocar idéias e interagirem umas com as outras. E hà gente que, simplesmente, não consegue trabalhar fora do escritório.
Estabelecer um programa de teletrabalho exige um grande esforço preliminar de preparação. A primeira coisa a fazer é levar em consideração as características individuais da empresa, o perfil de seus funcionàrios, suas necessidades, sua missão, a cultura empresarial, as circunstâncias sociais e, até mesmo, a percepção dos clientes envolvidos.
Resolvido isso, é hora de enfrentar os problemas. Os principais são a desinformação e os preconceitos (funcionàrios que, por um ou outro motivo, são obrigados a permanecer no local de trabalho, tendem a considerar os colegas on-line privilegiados ou preguiçosos) e a ansiedade por resultados imediatos. A importância do treinamento prévio, ressaltam os especialistas, não pode ser subestimada.
Na Xerox do Brasil, por exemplo, as coisas vão ás mil maravilhas. A turma on-line rende como nunca, e està muito contente. Alexandre Cerqueira Monteiro, representante técnico de Serviços a Clientes, diz que o escritório portàtil realmente funciona. Com o laptop conectado a uma linha telefônica, ele acessa o mainframe da Xerox e, a partir daí, pode preencher pedido de peças para reposição e até emitir nota fiscal.
- O segredo é que trabalhamos com equipamentos que nos dão condições de resolver os problemas da maneira mais ràpida possível, - explica.
Jà aqui no Informàtica etc. o teletrabalho é sucesso desde que o caderninho nasceu, hà mais de oito anos: colunistas que passam semanas sem aparecer fisicamente, como o CAT, o B. Piropo e o Gravatà, têm um convívio virtual tão constante com o resto da galera, que sabem até quando hà reboques na àrea ameaçando levar os nossos carros.
Os prós...
QUALIDADE DE VIDA: Trabalhando em casa, junto á família, o empregado tende a aproveitar o tempo de forma menos desgastante.
MEIO AMBIENTE: Com menos gente indo e vindo do trabalho, hà menos trânsito, menos poluição - e menos acidentes.
ECONOMIA: A empresa não só reduz seus custos imobiliàrios, como ganha em assiduidade: os teletrabalhadores faltam menos.
RELAÇÕES HUMANAS: O teletrabalho reduz dràsticamente as situações de conflito dentro da empresa.
PRODUTIVIDADE: Longe da vigilância de chefes e colegas, teletrabalhadores se sentem mais responsàveis pelo que fazem.
E os contras...
DESATENÇÃO: Para pessoas com menos capacidade de concentração, a grande armadilha do teletrabalho é a quantidade de solicitações alheias ao serviço, muito maior em casa do que no escritório.
PROCRASTINAÇÃO: Outro perigo para quem não tem perfil adequado a teletrabalho é achar que sempre dá para se fazer o serviço depois. Isso pode acontecer também no escritório, mas é mais fácil decidir ir á praia antes de escrever aquele memorando quando se está em casa... A palavra chave para o sucesso on-line é organização.
PERDA DE CONVÍVIO: No teletrabalho radical, os empregados correm o risco de perder o fio terra com a empresa e os colegas.
A grande idéia nasceu nos anos 60
A idéia de trabalhar em casa não é recente. No início da década de 60, bem antes do surgimento dos computadores pessoais, um cientista espacial chamado Jack Nilles trabalhava como consultor num grande projeto para o Programa Espacial da Força Aérea americana. Viajava loucamente entre Los Angeles e Washington D.C. em sua faina e acabou desenvolvendo um método próprio de trabalho móvel, utilizando os parcos recursos tecnológicos da época. Em 1972, depois de se tornar macaco velho na arte de trabalhar em movimento, Jack tornou-se pesquisador pela University of Southern California, dedicando-se ao estudo das relações entre telecomunicações e transporte de pessoal. Graças a este trabalho, é considerado o pai do "telecommuting" ou teletrabalho.
Em 1973, ele dirigiu o primeiro projeto de demonstração de teletrabalho, envolvendo 30 funcionàrios de uma empresa privada, com o patrocínio da National Science Foundation. Seis anos depois, começaram a surgir os primeiros artigos em grandes jornais alertando para o aspecto econômico da questão, com manchetes bem típicas: "Trabalhar em casa economiza gasolina".
Em 1980, as primeiras centrais de teletrabalho foram estabelecidas na Europa: em Marne-la-Vallée, França, depois em Nykvarn, Suécia, e mais tarde em Benglen, Suíça. Nos Estados Unidos, em 1987, o governo do estado da Califórnia lançou o primeiro programa de teletrabalho implementado no setor público.
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