O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: Tinta Eletrônica - Escrito em: 1998-08-27 - Publicado em: 1998-10-19


Tinta Eletrônica

CIENTISTA DO M.I.T. INVENTA FLUIDO ELETRO-SENSÍVEL
QUE REVOLUCIONARÁ A INDÚSTRIA


Se chegassem para você falando num tal Prof. Dr. Joseph Jacobson <[email protected]>, professor assistente do MIT Media Laboratory em Cambridge, Massachusetts, Ph.D. em Física pelo MIT e com título de pós-doutorado em sistemas quânticos não-lineares, pela Universidade de Stanford, você certamente pensaria num sujeito branquelo, circunspecto e meio coroa. Pois estaria redondamente enganado, pois o Joe Jacobson tem apenas 32 anos e é dono de um entusiasmo contagiante. Ele teve uma idéia revolucionária e ao mesmo tempo simples: uma tinta eletrônica que poderia ser aplicada em livros, revistas, camisetas, papel de parede, caixas de produtos e em diversos outros objetos. Seria um sucedâneo da tinta como hoje a conhecemos, um invento que poderá ameaçar a indústria global do papel. Chamou a tinta de e-ink (electronic ink), um fluido bi-estável que sofre uma alteração reversível de cor, quando submetido à corrente elétrica.

O conceito em voga é que imagens impressas têm que ser decompostas em pontinhos, os chamados "dots". Quanto maior a qualidade da impressão, menor o tamanho do ponto, ou seja, maior a densidade de pontos numa dada área. Já estamos bem avançados de acordo com esse conceito pois, com mais de 2.000 dpi (dots per inch -- pontos por polegada), mal se pode divisar o minúsculo ponto, mesmo com uma lente de aumento.

Mesmo o processo genérico de impressão tem se mantido fiel a filosofias centenárias. A fabricação do papel, a forma de imprimi-lo e a distribuição dos produtos finais impressos têm sido procedimentos difícies de modernizar, na maioria das vezes implicando em perdas consideráveis, se avaliarmos os custos de produção e armazenagem. A saída óbvia é a opção eletrônica. No entanto, já há 20 anos fala-se que o papel vai desaparecer e, pelo que se vê, só vem aumentando a carga de impressão no mundo, mesmo em ambientes informatizados. O que mantém a grande importância do papel impresso é o fato de podermos tocar nele. Afinal o que é melhor? Ler um texto numa tela, ou lê-lo impresso numa folha tradicional?

É aí que entra o pulo do gato dado pelo Joe Jacobson: um display eletrônico tão fino que poderia ser encarado literalmente como uma folha de papel. Algo prático, fácil de usar, durabilíssimo e reutilizável. Uma folha mágica sobre a qual você pudesse despejar textos e imagens a partir de qualquer fonte de informações digitais, seja um laptop, um mainframe, a Internet ou qualquer biblioteca ou repositório eletrônico. Ele teve as primeiras visões em 1993, imaginando partículas fluidas deslizando no interior de tubos, com pequenas portinholas determinando se partículas claras ou escuras deveriam entrar neste ou naquele tubinho. Pensou depois em milhões de partículas reversíveis, esferas minúsculas, espalhadas e grudadas numa folha de papel especial, imiscuídas em suas fibras. Além do papel, diversos outros substratos poderiam receber essa camada de partículas, incluindo plásticos e fibras, independente de constituírem superfícies curvas ou angulosas. A coisa começou a tomar forma na mente do Joe, materializando-se como uma lâmina deste material colocada sobre uma grade fina e quase invisível de tênues linhas de tinta eletricamente condutiva. Bastaria aplicar cargas elétricas bem disciplinadas nas linhas desta grade, estimulando seletivamente cada uma das pequenas esferas, que por sua vez assumiriam aspecto claro ou escuro, dependendo do status elétrico.

Joe Jacobson sabia que as dificuldades tecnológicas envolvidas seriam imensas. Uma folha desse papel miraculoso precisaria também ter um processador próprio, uma CPU impressa no próprio papel. Para ele, isso não seria grande coisa, uma vez que sua equipe já conseguiu, usando tinta eletrônica, imprimir condutores, resistores, dielétricos e até um diodo. Daí para imprimir-se um transistor, seria só mais um passo. Teríamos assim um "papel inteligente", cheio de assombrosas possibilidades. Um ticket de teatro que se auto-validaria quando se escrevesse nele um identificador. Ou quem sabe, pacotes de produtos que piscariam e rolariam mensagens quando se os tocasse. Pode-se pensar em livros eletrônicos para todos os propósitos, em diversos formatos e resistentes aos mais diversos tipos de intempéries.

A implementação de um protótipo integralmente funcional está cada vez mais próxima. Junto com seus auxiliares, Jacobson já dispõe de telas experimentais operantes, mas ainda perduram desafios químicos, de viscosidade e de densidade, com relação à tinta e suas propriedades gerais. São obstáculos brabos, sem dúvida, mas não intransponíveis. Para apreciar animações MPEG ilustrando o funcionamento dos protótipos, visite a página Web <www.media.mit.edu/micromedia/elecpaper.html>.

O mercado potencial desta sensacional invenção é da ordem de US$ 30 bilhões. O projeto está sendo patrocinado pelo consórcio Things That Think, que reúne 41 empresas de porte, incluindo Microsoft e Compaq. Muito embora as somas sejam astronômicas, a turma de cientistas que está dedicada ao assunto parece nem querer saber de grana. Estão nessa pelo simples espírito investigativo, verdadeiros gênios movidos pelo idealismo científico. Estão matutando agora sobre papel-rádio, uma folha sensível a transmissões em FM, que possa receber dados digitais pelo ar e exibi-los graficamente. Essa folha teria que possuir circuitos de rádio-freqüência pintados em suas fibras com tinta eletrônica. Uma vez que essas páginas mágicas seriam reutilizáveis, os fabricantes de toner e de papel devem estar bem zangados com as pesquisas do Jacobson e sua turma. Para ler um artigo bem detalhado sobre as idéias do livro e da tinta eletrônica, consulte um dos sites da IBM, em <www.almaden.ibm.com/journal/sj/363/jacobson.html>.

Por ora, todos os modelos experimentais são ainda monocromáticos, mas é claro que o pessoal já está cucando soluções coloridas. Imagine você pintar sua parede com tinta eletrônica e poder nela exibir a cada dia uma obra de arte diferente. Com um sistema sofisticado de controle de imagens, poder-se-ia exibir complexas animações nessa mesma parede, ou quiçá no quarto inteiro. Com custos de produção bem menores que os de uma tela LCD (Liquid Crystal Display), consumindo de 50 a 100 vezes menos energia e apresentando melhor contraste com superior resolução, essas telas pintadas com tinta eletrônica serão corriqueiras em menos de 20 anos.

A empresa E Ink <www.eink.com> é uma companhia em estágio de desenvolvimento, criada especificamente para comercializar esta nova tecnologia. Combinando proficiência em diversas áreas do conhecimento em ciência e engenharia, a E Ink pretege-se com vários processos de patentes em andamento. A equipe já tem do que se orgulhar -- um sistema de display micromecânico e microencapsulado, baseado num material com excelente reflexividade, bom ângulo de visada e contraste apreciável.

Com os constantes avanços na miniaturização dos dispositivos de armazenamento de informações, poderemos contar com depósitos de dados digitais inacreditavelmente pequenos e de alta capacidade em médio prazo. Não que se pretenda conectar cartõezinhos PCMCIA (Personal Computer Memory Card International Association) às folhas de um livro eletrônico, mas vamos usar esse padrão industrial apenas como uma referência que nos permita avaliar as perspectivas de miniaturização que estão à nossa frente. Considerando um livro médio, como a edição clássica das Leis de Platão, podemos considerar que tal obra ocupa 1 Mb. Um disk drive PCMCIA hoje em dia pode guardar 350 Mb, ou seja, 350 livros. Se os recentes dispositivos baseados em GMR (Giant MagnetoResistance -- magneto-resistência gigantesca) e CMR (Colossal MagnetoResistance -- magneto-resistência colossal) forem rapidamente comercializados, teremos em breve um cartão PCMCIA-GMR com 35 Gb (Gigabytes), ou um cartão PCMCIA-CMR com 350 Gb. Quando, mais tarde, tivermos no mercado os esperados drives microscópicos de força atômica, poderemos ter até 10 Terabytes num cartão, com taxas de transferência de até 1,2 Megabits por segundo. Isso daria para guardar a Biblioteca do Congresso dos EUA inteirinha.

As possibilidades são imensas. As quantias envolvidas em termos de mercados potenciais são fabulosas. Gigantes da indústria estão atentos às pesquisas e, diante do que se espera para o futuro, você pode começar a olhar com pena para seus livros na prateleira. Seus netos nem saberão o que era um livro de verdade.


[ Voltar ]