O GLOBO -
Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: Wang - Escrito em: 1999-10-20 -
Publicado em: 1999-11-01
Entrevista com Charles B. Wang,
CEO da Computer Associates
Tudo pelo social
Carlos Alberto TeixeiraEm 1976, aos 22 anos, Charles Wang fundou uma pequena companhia chamada Computer Associates. Hoje, 23 anos depois, a CA é uma das líderes mundiais em computação empresarial, com escritórios em cem países, 17.500 funcionários e faturamento de US$ 5,3 bilhões no ano fiscal de 1999. Mas, ao longo de todo esse tempo, Wang não tratou apenas de ganhar dinheiro. Na verdade, ele sempre imprimiu um cunho humanitário à aplicação dos mais sofisticados avanços tecnológicos.
Foi por causa deste seu lado filantrópico que, na semana passada, ele se encontrou, em Brasília, com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Veio pedir apoio a seu programa Missing Kids, cuja página brasileira acaba de ser lançada, em <www.missingkids.com.br>. Nela, encontram-se 168 fotos de crianças desaparecidas. Para cada uma, há uma foto da época do desaparecimento, acompanhada de outra, produzida com o Age Progression, software que extrapola matematicamente o envelhecimento das feições, baseado em fotos dos pais e datas envolvidas. Já existem bancos de dados locais para o estado de São Paulo e para o Distrito Federal, mas a idéia é expandir o serviço para todo o país. Aí é que entra o apoio pedido ao Governo.
Educação sim, computador não
Carlos Alberto TeixeiraCharles Wang estava radiante durante a cerimônia de lançamento do site do Missing Kids, e por justa causa: entre os convidados, estava um rapaz chamado Ronaldo, que foi reencontrado por sua família graças à página patrocinada pela CA na Web. Ele desapareceu em agosto de 1998, e foi encontrado porque um juiz de Goiás acessou o site e, graças à simulação de envelhecimento, reconheceu as feições do jovem. Wang, que nos deu esta entrevista em Brasília, também é o anjo da guarda de um outro projeto de ajuda a crianças, o Smile Train. Neste, uma equipe de médicos mantidos pela CA realiza operações para correção de defeitos da face em crianças carentes, e treina profissionais em todas as regiões por onde passa nas mais avançadas técnicas cirúrgicas.
- Algum plano de transformar o projeto Missing Kids no Brasil em algo de abrangência nacional, em vez de ir atacando o problema estado por estado?
CHARLES B. WANG: O problema é que isto tem que ser feito assim, em função da autonomia que os estados têm no Brasil. Pedi ao presidente Fernando Henrique Cardoso e ao secretário de Direitos Humanos, José Gregori, que nos ajudassem a levar o projeto a um nível mais alto. Não que o Governo federal vá ditar o que fazer, mas certamente poderá ajudar no fluxo de informações.
- Que outros bons resultados surgiram de seu encontro com Fernando Henrique?
WANG: Bem, ele disse que a CA é a maior empresa de software do mundo (risos). É claro que num encontro de meia hora não dá para aprofundar muito, mas ele nos prometeu seu apoio ao projeto Missing Kids aqui. O site Missing Kids americano começou com poucos milhares de hits diários, mas hoje são mais de três milhões por dia.
- Como o senhor sabe, aqui no Brasil não se tem acesso fácil à tecnologia em regiões remotas do país. O site do Missing Kids poderá ser visto nas cidades maiores, mas não nas áreas mais distantes. Existe algum plano de patrocinar a produção e a distribuição de pôsteres e impressos?
WANG: Ainda não sabemos como, precisamos encontrar aqui os veículos adequados para isso. Na China, trabalhamos com a Agência de Planejamento de Paternidade, que tem cerca de 40 mil escritórios no país. Além disso, estes centros ensinam como cuidar do bebê, mesmo antes do nascimento. Os pais recebem panfletos sobre como proceder caso tenham um neném com lábio leporino, por exemplo. Se seus leitores tiverem sugestões de como atingir as áreas remotas, devem entrar em contato conosco que iremos avaliar novas idéias e patrocinar as instituições-chave para estas iniciativas. O presidente Fernando Henrique mencionou uma Universidade em Bauru, onde eles se especializam nesse tipo de operação. Se souberem de algo novo, enviem para Adriano de Souza Lima <l[email protected]> (VP sênior e gerente geral da AL), que ele me repassará.
- Além de combater os efeitos de problemas sociais, o senhor planeja atacar de alguma forma as causas desses mesmos problemas?
WANG: Em geral, a causa está na base familiar das pessoas afetadas. Acreditamos que o importante é continuarmos pregando sobre a necessidade de se motivar as crianças, dar-lhes educação, mas não tecnologia. Crianças precisam de professores. Uma criança pode ter o computador mais avançado em seu quarto, mas se não estiver suficientemente motivado, vai usar a máquina apenas para jogar paciência. Mas se uma criança estiver realmente interessada num assunto, e se seu professor lhe tiver aberto a mente, então ela naturalmente irá à biblioteca, pegará material emprestado com amigos e, eventualmente, irá apelar para o computador e usá-lo como ferramenta. Sabemos que não iremos resolver todos os problemas do mundo, e também que nossos esforços isolados não irão fazer lá grande diferença no contexto global, mas nosso objetivo é trazer a tecnologia para junto das necessidades sociais. Com isso poderemos atuar de forma bem mais rápida para curar os enfermos, aliviar alguma dor e dar esperança aos necessitados. Se todos pensassem da mesma maneira, acho que teríamos uma chance. Temos um programa mundial de apoio à caridade na CA. Chama-se Matching Charitable Gifts Program. Se um funcionário decidir doar US$ 10 para uma instituição de caridade, cultural ou ambiental, a empresa doará US$ 20 para a mesma instituição.
- A CA pretende encontrar parceiros no Brasil para abrir uma indústria de software com mão-de-obra brasileira?
WANG: Nossa abordagem filosófica para as diversas regiões do mundo é diferente da de outras companhias. Acreditamos que devemos desenvolver a indústria local de tecnologia de informação, e a forma de fazer isto é através de joint-ventures. Se fomentarmos as indústrias locais de TI, o uso de TI crescerá no mundo e a longo prazo a CA irá se beneficiar disso. Já começamos este programa na Ásia e na Europa. No Brasil ainda não temos joint-ventures, mas já temos bons parceiros, como Unisys, Compaq, HP e IBM.
- Poderia falar sobre seu programa de auxílio para crianças portadoras de deformidades faciais?
WANG: Este programa tem diversos níveis de atuação. O primeiro é de pesquisa, em que usamos tecnologia CA, trazendo todas as organizações espalhadas pelo mundo ligadas a esta questão para troca de conhecimentos. De outra forma, todas estariam fazendo sua parcela independente de pesquisa e isso seria redundante. Patrocinamos pesquisa em determinadas áreas, eventualmente sugerindo temas ainda não cobertos por trabalhos já em andamento em outras equipes. Temos hospitais em Taiwan funcionando em coordenação com hospitais nos EUA. No ano que vem teremos um simpósio em Beijing, com participantes convidados do mundo inteiro. O segundo nível traduz a importância que damos à necessidade de ensinar e treinar cirurgiões locais. Ouve-se muito falar em missões de médicos que viajam fazendo maratonas de cirurgias em comunidades carentes, mas só conseguem operar poucas centenas de crianças num ano. Na China, por exemplo, são dois milhões de crianças sofrendo de deformidades faciais congênitas, fendas labiais e palatais, conhecidas como lábio leporino. Em oito anos, esses esforços tradicionais beneficiaram duas mil crianças. Através do projeto Smile Train, em um ano, dez mil cirurgias foram feitas. No ano que vem, faremos 25 mil operações em crianças. Em quatro anos, teremos cem mil crianças operadas. Não adianta voar com médicos de um lado para outro, tirar um monte de fotos promocionais e depois ir embora. Nosso programa é contínuo. Um médico pode experimentar centenas de vezes o procedimento cirúrgico na Web antes de operar uma criança real. Também prestamos assistência odontológica, ortodôntica, fonoaudiológica e psicológica a essas crianças. Na China, trabalhamos com a Federação Chinesa para Caridade para informar os pais, para que saibam que há esperança gratuita para casos de deformidade facial e outros. Assim, essas crianças não mais serão abandonadas pelos pais.
- Por que essa preocupação com os problemas sociais nos países em desenvolvimento?
WANG: Esta é uma preocupação pessoal minha. Fiz isso a vida toda, inicialmente, claro, com quantias bem mais modestas. Hoje em dia isso é notícia. Por exemplo, todas as doações para o projeto Smile Train são pessoais minhas. Nem acho que deveria estar tirando essas quantias da CA, pois são milhões e milhões de dólares. Desde os tempos de colégio, contribuo de alguma forma para instituições de caridade. Por US$ 16 mensais era possível "patrocinar" uma criança. Eu o fiz com uma menina filipina, ainda me lembro. E ela me escrevia cartas.
- Sabendo que o senhor é um ótimo cozinheiro, já travou contato com receitas típicas brasileiras?
WANG: Nem tive essa chance, só fico nesses hotéis e a comida é quase sempre a mesma. Existe uma província chinesa chamada Szechuan que já visitei muitas vezes. Hoje compro os temperos originais de lá. Minha mãe diz que meus pratos ficam muito gostosos, mas eu não conto que compro os temperos lá na China mesmo. Só digo que eu é que estou praticando mais e melhorando na mão. Quer uma sugestão? Compre o meu livro de culinária. Vá até nosso web site <www.cai.com> e compre, custa uns 30 dólares. Se você fizer isso, a CA entra com mais 60 dólares, que vão direto para a Make-A-Wish Foundation, uma instituição de ajuda a crianças. É um livro escrito por um homem para homens que queiram cozinhar. É simples, tudo explicado na base de tópicos. Ensino como cortar carne contra os veios e outros truques do tipo. Não vai dar para preparar banquetes, mas vai fazer sucesso.
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