Caminhada de Carnaval 2000

-- de Copacabana a Araruama --

 


DIA 1

 

Iniciamos agora o relato de nossa caminhada que foi feita desde Copacabana até a cidade de Araruama. Depois de uma boa noite de sono, preparamos mochilas pequenas, tomamos um bom banho, e comemos alguns biscoitos regados a Nescau gelado. Partimos da Rua Siqueira Campos no dia 1 de março do ano 2000, às cinco e quinze da madrugada. A manhã estava fresca e sentíamo-nos muito bem, eu e Laíz. Subimos a Siqueira e entramos no Túnel Velho. O dia já estava amanhecendo. Descemos a Real Grandeza até a São Clemente e fomos até a praia de Botafogo, onde caminhamos pelo calçadão até a última entrada do subterrâneo. Pegamos o Flamengo pela Senador Vergueiro evitando o Sol, até o Largo do Machado, onde telefonamos para mamãe já às seis e meia. Continuamos pela Glória e descemos pela rua onde batia o mar. Fomos pela praça Mahatminha, pegamos o obelisco da Avenida Rio Branco, subimos a Rio Branco até a Nilo Peçanha, viramos a direita em direção à estação das barcas, mas paramos num botequim onde a Laiz tomou um guaraná gelado e eu uma Fanta uva com esfiha de espinafre.

 

Esperamos um pouco pela barca, sentados separadamente na sala de espera na estação, e logo ela chegou. Escolhemos subir para sentar à esquerda bem à frente, mas logo veio a idéia de nos sentarmos lá fora. Assim que a barca manobrou, percebemos que não tinha sido uma boa idéia, já que o sol nos batia na cara. A Laiz rasgou uma página de um livrinho do Yogananda por razões pessoais, e tentamos mudar de lugar novamente na barca, ainda lá fora. O sol continuou incomodando, e acabamos voltando para dentro. Em 20 minutos cruzamos a baía e saltamos em Niterói apreciando a multidão que embarcava à medida que saíamos da barca.

 

Saímos pela Praça Araribóia e subimos a ladeira logo à direita do Shopping Plaza, rumo ao Ingá. Chegamos à praia das flechas e seguimos para Icaraí com o sol à nossa frente. Paramos para um rápido descanso logo no início de Icaraí. Vimos um caminhão entregando gás, algumas jardineiras com pedras redondas, e ao final da praia paramos nos bancos com a Laiz já um pouco cansada, pois estava num daqueles dias. Fui pegar uma água de coco geladinha, uma delícia. Pegamos as mochilas e levamos os cocos até o homem para que ele os abrisse usando sua faca especial de lâmina encurvada, que permitia retirar completamente a carne do coco.

 

Subimos em direção ao túnel comendo coco e parei para beber água de uma mangueira, coisa que ainda faria muitas vezes ao longo de todo o percurso. Entramos no túnel e dei uma bela mijada que me custou uma mancha de fuligem no braço direito. Na saída do túnel, Laiz quis ir ao McDonald's para usar o banheiro, mas ainda faltava meia hora para abrir. Subimos a rua do canal e numa casa de esquina que estava para alugar, a Laiz conseguiu se aliviar. Nesse momento eu peguei meu lençol e me fantasiei de árabe, para me proteger do sol que já queimava. Ela botou o boné GSM. As pessoas olhavam todas para aquela figura estranha que andava de braço dado com uma jovem aparentemente normal. Depois do posto ao final da avenida do canal, começou a subida da ladeira, que foi bem braba. O sol já estava começando a ficar forte, e a subida foi bastante cansativa. Um caminhão de tijolos quase pegou a Laiz desprevenida numa esquina. Encontramos uns moleques da favela pegando água num poço, usando uma lata e um peso de martelo. Paramos várias vezes na subida longa. Encontramos um outro poço do outro lado da avenida. Lá de cima a vista do Rio de Janeiro era muito bonita. Logo depois do primeiro sinal ao final da ladeira, entramos num bar e pedimos Fanta uva para a Laiz e Mineirinho para mim. Depois de algumas confusões com relação ao caminho a tomar dali, concluímos que iríamos subir a serra mais à direita, antes do quê, parei num muro para tirar pedrinhas de dentro do tênis. Logo ao lado do homem que consertava a linha telefônica. Defronte a nós um belíssimo carro camping enguiçado que nos encheu a cabeça de sonhos.

 

A serra era razoavelmente íngreme e a subida e exigiu algumas paradas. Mas logo chegamos ao topo, e a descida foi uma maravilha. Encontramos até uma grande pedra branco-rosada, que talvez um no dia peguemos para levar para Araruama. Ao final da descida da serra, paramos justamente no ponto mais perigoso na última curva, onde qualquer derrapagem de um carro significaria o nosso fim. Mas logo nos levantamos.

 

Foi nessa descida que, pela primeira vez, peguei a mochila da Laiz também. Já novamente andando no plano, pudemos sentir que o calor estava ficando mais intenso. Paramos num supermercado HortiFruti e nos entupimos de suco de laranja quente. Um litro e meio foi engolido por nós em poucos minutos. Por sorte, umas nuvenzinhas começaram a aparecer, aplacando a fúria do sol. Logo adiante, entramos no maravilhoso McDonald's, em cujo interior reinava um extraordinário clima de montanha. Já era meio-dia e meia e estávamos absolutamente exaustos. Na hora que Laiz foi pegar o sundae de chocolate, ao retornar, eu já estava dando cabeçada na mesa da lanchonete, com os olhos super-vermelhos. "Seus olhos parecem duas cerejas!" – disse a engraçadinha. Concluímos imediatamente que era hora de dar uma dormida. Ainda ensebamos um pouco na lanchonete, mas logo prosseguimos na caminhada, com o sol nos torrando as cabeças. Poucos minutos depois, me veio a idéia de que dormíssemos num motel ali perto. Laiz topou a idéia, e paramos às 13:30 no Status Motel. Tivemos uma ótima surpresa quando a moça nos disse que por R$ 22,00 poderíamos ficar 12 horas lá dentro. Lá pelas 8 da noite, pedimos uma excelente salada mista e voltamos a dormir.

 


 

DIA 2

 

Dia 2 de março do ano 2000, uma e meia da madrugada. Deixamos o Status Motel numa noite fresca, agradável e estrelada. Tínhamos medo de àquela hora não encontrarmos água mineral. Mas logo achamos uma birosca que estava fechando. Ainda deu para ver o Corcovado e as luzes piscantes do Sumaré. A subida da Serra da Tiririca era logo ali, e apenas confirmamos o local com um segurança que estava ali perto. Apesar da temperatura amena, não deixamos de suar muito na subida da serra, volta e meia guiados pela lanterna. A vista do Rio lá de cima era belíssima. Com uma bela Lua em formato de unha no céu do leste e bem perto o planeta Vênus, ficamos um tempinho ali no topo da serra aproveitando a brisa. A descida foi uma moleza, e até vi uma estrela cadente. A Laiz me lembrou que fizesse um pedido, mas naquele momento percebi que todos os pedidos que eu havia feito a estrelas cadentes nunca haviam dado certo e nem haveriam de dar – pelo menos aqueles.

 

Havia muitos cachorros ao final da ladeira, o que me fez deixar o facão bem à mão. Ao longo das curvas naquela região residencial, de vez em quando aparecia o anúncio de uma tal padaria Girassol, a maldita, oferecendo deliciosos confeitos para nosso desespero – sonhos, pudins, pão-doce. Mas àquela hora ela certamente estaria fechada. Encontramos uma casa cheia de quadros na varanda. Tivemos até que parar por causa do aroma de uma flor. Muitos perfumes gostosos naquela descida.

 

Chegamos no vilarejo ao sopé da serra e seguimos ao longo do canal, do lado de cá, onde encontramos o cavalo e o potrinho. Eu sabia que haveria ao final do canal uma ponte honesta, mas apareceu-nos uma outra antes, caindo aos pedaços, e decidimos encarar a travessia. De lanterna em punho, finalmente conseguimos atravessá-la, aos trancos e barrancos. Do lado de lá do canal, o solo era bastante arenoso, e juntamente com a escuridão, dificultou um pouco uma caminhada. Fomos até a beira d'água, onde o mar batia forte e gelado. Enquanto a Laiz botava água para dentro e eu botava água para fora, uma onda mais forte invadiu a areia e comecei a berrar para a Laiz. Saímos correndo feito loucos e conseguimos escapar por pouco. Subimos até uma cabaninha iluminada onde retiramos areia dos tênis. Em tempo, o tênis da Laiz era uma peça de museu, e sua sola estava perigosamente gasta, o que mais tarde veio a ter conseqüências dolorosas para o dedão dela. Prosseguimos na caminhada pelo terreno meio arenoso, enfrentando um vento frio que acabou incomodando o ouvido da Laiz. Ela pegou a canga e se fantasiou de mulher árabe. Continuamos até a ponte de pedestres que havíamos encontrado duas semanas antes, quando fizemos de carro o percurso litorâneo de Araruama até o Rio.

 

Ameaçados por alguns cachorros, cruzamos a tal ponte. Ainda andamos um bocado do lado de lá do canal, mas ainda queríamos andar pela orla, pois o vento lá era mais fresco. Logo que avistamos a ponte de concreto para pedestres, voltamos para perto da praia, passando ao lado de uma vaca desconfiada. O solo já era mais firme e andamos mais um pedaço, até que decidi parar para descansar no próprio chão da estrada. Eu havia posto as lentes de contato lá no motel, mas mesmo assim não havia visto que logo mais à frente teríamos um lugar melhor para parar. A Laiz avistou o lugar e andamos mais um pouco, até uma espécie de vendinha branca com mesas de sinuca e totó e uma piscina pequena. Havia uma placa Jesus te ama. Deitamos nos bancos e eu fiquei no chão com as pernas para o alto. Já havia uma claridade indicativa de que o sol estava para nascer. Demos um mini-cochilo mas logo nos levantamos pois queríamos ver o nascimento do sol. E lá estava ele, nascendo bem gigantesco logo por trás do quiosque de concreto que havíamos conhecido há duas semanas, quando sob sua sombra, fizemos um pequeno lanche. Fizemos uma pequena disputa para ver quem via primeiro o sol nascendo. Achei que a luz estava muito grande e não levei fé. Mas a Laiz levou, e ganhou a disputa.

 

Em 1994, eu havia tentado sozinho essa caminhada, nesse mesma época de Carnaval. Por ter cometido alguns erros logísticos, como comer carne assada com feijoada ao meio-dia e seguir imediatamente caminhando sem proteção para a cabeça. Mais ou menos nesse ponto do caminho, ou seja, em Itaipuaçu, acabei torcendo o pé naquela ocasião e tive que conseguir carona para chegar até Araruama, para vaia geral. Por sorte, dessa vez, foi tudo planejado com mais lucidez e a caminhada transcorreu bem.

 

Paramos no quiosque de concreto para limpar os pés. A Laiz precisou dar uma parada estratégica ao lado do muro de uma pousada em obras. O cachorro do pedaço ficou bem atento, mas não ofereceu ameaça. Com o dia já clareando, sentimos uma lufada de vento que trouxe um maravilhoso cheiro de pão fresquinho. Perguntamos a um pessoal que estava indo pescar e cruzamos mais uma ponte sobre aquele canal, começando a subir a ladeira. Ligamos para mamãe informando erradamente que estávamos em Maricá, quando na verdade estávamos apenas em Itaipuaçú. Logo depois encontramos a maravilhosa padaria Nossa Senhora da Aparecida, logo em frente à banca de jornal. Presenciamos a vida das pessoas acordando e parando de bicicleta para comprar pão. Pedimos sanduíches de queijo minas e amarelo, chocolate quente, café com leite, água e eu tomei um guaraná. Tiramos da mochila o Walkman e prosseguimos andando, com as notícias do maldito Pinochet e sua fuga. Caminhar os dois com o Walkman não era tarefa fácil, já que eram dois fones ligados na mesma saída. Encontramos um arame enferrujado e nos prendemos um ao outro, mantendo uma distância de segurança de modo a não romper o fino fio.

 

Bem junto ao caminho da orla, encontramos um pessoal capinando a areia para montar acampamento pro Carnaval. Fizeram uma valeta cavada na estrada para a passagem de um gato elétrico. Eram mais de treze pessoas, com fogão, freezer, geladeira, sofá, colchonetes e um monte de tralhas. Certamente tudo aquilo foi ali colocado usando um caminhão. Puxamos papo e foi a primeira vez que falamos sobre a caminhada que estávamos fazendo, conquistando a admiração de todos. A primeira pergunta era se estávamos pagando promessa. Daí por diante, para encurtar as explicações, preferimos dizer a outros que nos perguntavam, logo de cara, que era promessa mesmo. As pessoas costumam aceitar essa coisa de promessa sem perguntarem mais nada.

 

Depois de mais muita caminhada, paramos numa venda pintada de branco e muito limpinha, com banheiro impecável, e paramos para beber algo. Como não tinha Fanta uva nem Grapette, pedimos algo de uva e acabamos conhecendo o maravilhoso refrigerante Iate, com gosto de uva mesmo. Logo em frente à birosca vimos uma bela ilha com um farol. Disseram-nos que tem água doce, o que já nos colocou minhoca na cabeça para o futuro. A dona da venda é de Santa Catarina. Falou-nos sobre suas filhas, sobre seus hábitos e sobre educação que dava a elas. Ainda encontramos uns banhistas coroas, a quem recomendamos que bebessem o Iate de Uva e eles toparam. Andamos mais um pouco até um misto de bar, pousada e clínica ginecológica, à beira-mar. Não havia mais estrada adiante, logo tivemos que dobrar a esquerda para começar a enfrentar o temível trecho deserto. Era um barro do vermelho terrível, que juntamente com protetor solar, me transformou num homem ruivo.

 

A caminhada pelo deserto foi longa e penosa. Eu estava equilibrando a mochila na cabeça, como a baiana faz com a lata d'água. Bebemos muita água pelo caminho, quase acabando com nossas reservas. A visão de nós dois devia ser desoladora, tanto que um motorista espontaneamente nos ofereceu carona. Obviamente não aceitamos. Bem adiante, vislumbramos uma cabana nas dunas. Seria uma excelente oportunidade para tiramos uma soneca. E lá fomos nós rumo a ela, cruzando um pequeno atoleiro de terra preta. O lugar era perfeito para dormir, mas estávamos agitados demais.

 

Logo que chegamos à cabana encontramos um casal de jovens, cada um num cavalo. José Carlos de onze anos e Mariana de 12. O nome do pai dele era Carlos Alberto, por coincidência. Eles moravam numa cidade logo ali perto e nos contaram histórias tenebrosas sobre o caminho dali por diante, incluindo presuntos desovador, cabeça para um lado e corpo para outro. Depois de muita conversa, eles foram embora pois tinham aula.

 

Um dos cavalos deu uma solene cagada bem em frente à nossa varanda. O nome dele era Triunfo. Desgraçado! Cobrimos o trabalho dele com areia, pois já começava a juntar mosca. Esticamos nossas colchas de chão e tentamos dormir. Um fracasso. Muita mosca, vento frio e agitação. Ainda fiquei de cueca e fui até a beira mar, mas água estava gelada demais e desisti do mergulho. Laiz tinha conseguido dormir um pouquinho. Depois nos mudamos para dentro da cozinha da cabana, mas o vento continuava incomodando. A Laiz teve a excelente idéia de construir uma barreira com umas tábuas finas e aí conseguimos um pouco de conforto. Mas nada de sono, infelizmente. Só passou um homem empurrando uma bicicleta. Acabamos decidindo levantar o acampamento por volta do meio-dia.

 

Quando íamos optar pela estrada do interior, apareceu um motoqueiro que nos informou que ainda existia uma estrada pela orla. E foi ela que tomamos. Continuamos num caminho bem monótono, até que ouvimos um alto-falante, o que indicava que o deserto estava terminando. Subimos uma duna e vimos uma Kombi vendendo frutas. O nome do local era Zacarias e a Laiz esfomeada comprou umas maçãs microscópicas. Era um local em que havia mania de pintar as construções de cor-de-rosa e salmão, um mau gosto de dar dó. Pegamos informação sobre restaurantes num casebre, e fomos nos arrastando pela rua. Demos uma parada para matar a água que ainda tínhamos e quase perdemos o boné com as maçãs. Continuamos naquela rua sem fim até o posto Ipiranga que tinha um restaurante em frente. Eram três da tarde, quando comemos um prato feito com filé de peixe muito gostoso. Na parede no restaurante, havia um mapa que serviu para nos orientar. O nome da cidade era Barra de Maricá. Laiz ficou descansando no restaurante, completamente moída, enquanto eu fui procurar uma pousada, mesmo tendo o dono dos restaurantes dito que estava tudo lotado. Era quinta-feira antes do carnaval.

 

Estávamos totalmente exaustos. Subi a ladeira e encontrei a pousada Beira-Mar, onde chorei miséria, alegando que estávamos pagando promessa, e consegui um bom desconto. Desci de volta para pegar a Laiz, e encontrei uma velha a quem perguntei o caminho para a manhã seguinte. Falei da nossa promessa e ela me contou detalhadamente a promessa dela, que havia dado certo. Peguei a Laiz e nos instalamos no quarto 105 na pousada. Tomamos um banho e dormimos imediatamente, indo acordar às 11 meia da noite com fome. Batemos um papo com o tomador de conta e sua namorada, ambos fumantes pestilentos. Ele nos contou sobre o Aurélio de Grajaú que era especialista em longas caminhadas. Pegava ônibus até Campos, e voltava caminhando até o Rio, mas com uma série de roubalheiras logísticas, tipo usar taxi para voltar para o hotel e coisas do gênero. Fomos até a pracinha do agito e sentimos um delicioso cheiro de pão doce sendo feito na hora. Desnecessário dizer que nos entupimos de pão doce e voltamos para pousada em ritmo de sono. Pretendíamos dormir apenas mais algumas horas, mas acabamos só acordando às 6 da manhã, lutando contra terríveis mosquitos que enfrentaram até o ventilador de teto.

 


 

DIA 3

 

Dia 3 de março de 2000, sexta-feira logo antes do carnaval. Saímos de Barra de Maricá às seis e meia da manhã, voltando à padaria para mais pão-doce. Pegamos o asfalto novinho em folha, a interminável avenida central. À nossa esquerda, dezenas de barraqueiros acampando. Ligamos novamente para mamãe, que iria sair naquele dia às 9 meia para Araruama. Aproveitamos para pedir que comprasse macarrão, alho e uma Coca bem gelada para nossa chegada. Assim que terminou o asfalto, começou o barro vermelho novamente, com muitos moradores jogando água na estrada para diminuir a poeira. Não havia estrada pela orla, portanto tivemos que seguir adiante. Havia muitos cactus em frente aos muros e nos arbustos ao longo da estrada. Um menino queria comprar pipa e contribuimos com 10 centavos. Paramos à sombra de um prédio para descansar um pouco junto de um cachorrinho. Tomei um banho de gato numa pia na outra esquina, e continuamos pela Avenida Central. Andamos mais um bom pedaço, e quando chegamos à localidade de Cordeirinho encontramos nosso velho mercado, onde paramos para descansar e tomar sorvete Eskibom.

 

Sempre costeando, parecia uma ironia que não tivéssemos parado em nenhum momento para um mergulho. Mas o mar estava agitado e gelado demais e, além disso, seria desconfortável reiniciar a caminhada com o corpo salgado.

 

Naquele ponto, já podíamos ver a Ponta Negra e paramos ainda numa esquina para tomar Grapette, quando eram mais ou menos 11 horas da manhã. Chegamos então finalmente a Ponta Negra, que estava bastante agitada com os preparativos para o Carnaval. Fomos até a entrada do canal e descansamos lá sem sombra. Era a última chance de vermos a Pedra da Gávea, que aparecia lá ao longe.

 

Seguimos o canal e eu quis atravessá-lo a vau, com o quê Laiz não concordou. Fez alguma pirraça, sentou-se no chão e foi arrastada impiedosamente pela grama. Uma velha colhia relva e batemos papo. Cruzamos a ponte e nos metemos no meio do agito, passando pela praça onde havia um painel-estátua da Carmen Miranda, e continuando pela rua até a lojinha de tudo por R$ 1,99. A Laiz queria comprar um relógio vagabundo, pois o relógio de pulso dela havia parado ainda no motel. Felizmente mudou de idéia e continuamos até o início da estrada de terra que iria para Jaconé. Ligamos para o Rodrigo e tentamos convencê-lo a vir passar o Carnaval em Araruama, sem sucesso. Bebemos uma água geladíssima e nos metemos pela estrada de terra. Tentei equilibrar as duas mochilas na cabeça, mas ventava muito e não deu certo. O pé da Laiz estava doendo muito e eu fiquei com as duas mochilas.

 

Seguimos até encontrar o caminho de atalho à direita, onde encontramos um cara de bicicleta que nos informou que aquele era mesmo o caminho correto, o mais curto. Tomamos a via pavimentada até a beira da praia, onde paramos numa sombra para beber água ao som de Roberto Carlos. Decidimos tentar caminhar pela areia, mas quando vimos lá longe a igrejinha de Saquarema, desistimos e voltamos à estrada para Jaconé. Perguntamos ao quitandeiro quantos quilômetros ainda eram até lá. Ele disse que eram 7 km. Desde a parada do Roberto Carlos, a Laiz ficou escutando música sozinha no Walkman e cantarolando pelo caminho. O sol já estava bem alto, o calor era tremendo, e muito carro já passava levantando uma poeira dos diabos. Paramos num quiosque de madeira para beber Fanta uva, e Laiz foi brindada com uma latinha congelada. Passou um carro arrastando bambu e levantando 1000 vezes mais poeira, sendo xingado até sua última geração.

 

Paramos depois numa sombra gostosa atormentados por cachorros de um condomínio. Ficamos descansando e veio um cara para inspecionar. Lá pelas duas e meia, chegamos a Jaconé que estava num agito total. Comemos um sanduíche de atum com acerola e Coca-Cola. Botamos o pé na estrada novamente e continuamos até a cobertura em frente à Associação dos Servidores do Proderj, onde esticamos nossa colcha e tiramos uma bela sonequinha. Assustamos alguns pedestres, mas foi tudo bem. Prosseguimos a caminhada cobertos por mantos, para nos proteger do vento frio. A igreja de Itaúna/Saquarema se aproximava visivelmente, mas já estávamos no bagaço. Precisávamos dormir de verdade. Ainda paramos para um sorvete. Tínhamos a opção da casa da mãe do Sidnei cunhado da Laiz, ou então a dona Vera.

 

Ao longo da orla era um festival de casas feiosas. Raras eram as bonitas. Havia muitas em ruínas. Mas a casa mais linda era uma branquinha, com janelas vermelhas, num estilo um tanto Mediterrâneo. Sem dúvida, a campeã.

 

A casa do Sidnei estava alugada e não conseguimos encontrar a casa da dona Vera. Portanto fomos até a sorveteria, onde devorei um imenso sorvete, e a Laiz ligou para a mãe, Dona Aidê, para obter informações sobre a casa da dona Vera. Acabamos descobrindo que era na mesma rua, mas o muro era diferente do que a Laiz se lembrava. Foi fácil encontrar e fomos muito bem recebidos às 7 da noite pela dona Vera, sua filha Elvira e uma senhora mineira que é irmã do seu Glauco, o pai da Elvira que chegaria no Domingo. Pedimos abrigo, tomamos um delicioso banho, fizemos um lanche maravilhoso, aprontamos o quarto que nos foi cedido com grande gentileza pela anfitriã, e às 20:30 desabamos solenemente.

 


 

DIA 4

 

Dia 4 de março de 2000, sábado de carnaval. Pensávamos em acordar lá pelas duas da manhã, mas acordamos às seis. Dona Vera também levantou, bem como Tigrão, o poodle branco gigante. Tomamos um café, bananadas, sanduíche e pegamos uma garrafa de água. Mudei de roupa, pois a velha estava impraticável. Às seis e meia despedimo-nos da Dona Vera e nos dirigimos até a Igreja de Saquarema. Subimos a escadaria, apreciamos a vista, e nos admiramos com a distância que tínhamos andado desde Ponta Negra. Laiz passou protetor solar em mim e visitamos o cemitério. Batendo muito papo sobre nossas histórias passadas, começamos a caminhada em direção a Bacaxá. Numa das subidas, com uma linda vista para a Lagoa de Saquarema, tentei tomar uma sorrateira chuveirada num quiosque, mas apareceu um velho e desisti.

 

Os pés da Laiz já estavam em pandarecos e ela começou a ficar mal-humorada. No centro de Bacaxá fomos aos bancos pegar grana, mas só a Laiz conseguiu. Já na estrada principal, tomamos Mineirinho a 50 centavos. Depois mais Mineirinho e sanduíche, e a mulher se atrapalhou com o pagamento. Começamos a caminhada de 15 km, na reta final para Araruama. Eram oito e meia da manhã.

 

Cada subida era um suplício. Havia pouco vento e muito sol. Paramos várias vezes embaixo de árvores para beber água. Encontramos um vendedor de caju que nos vendeu dois frutos bem docinhos e deliciosos. Muito cheiro de bicho morto ao longo da estrada. Paramos num posto para tomar Fanta uva, e já cansados, acabamos discutindo feio.

 

Andamos um tempão mudos, até que paramos numa mesinha à sombra de uma mangueira imensa. Trepei na árvore e dei um susto na Laiz. Ela foi pegar água gelada e começamos a quebrar o gelo entre nós. Quando avistamos a entrada para a Praia Seca, sentimos que estávamos quase chegando. Paramos para beber um pouco d'água. Ainda vimos uma placa de 7 km para a Gigi, o que nos deu ainda mais ânimo. Ainda paramos num ponto de ônibus, onde deitei com as pernas para cima.

 

Na descida perto do estádio de futebol, deu uma louca na Laiz e ela começou a correr. Acompanhei-a em silêncio e acabei lhe pregando um susto. Fomos até o supermercado Prisma, já em Araruama, onde compramos Doce de Leite Moça, bombons e Coca-Cola no posto. Sentamos no calçadão para detonar os bombons, mas tivemos a má notícia de que eles estavam secos. Ventava muito e já estávamos quebrados. Fomos nos arrastando pelo resto do caminho e chegamos à casa dos meus pais às 2 horas da tarde, tendo percorrido cerca de 130 km, desde a Siqueira Campos em Copacabana, até a Rua Werner Krause em Vila Capri, Araruama. Nossas roupas estavam dignas de serem incineradas e nossos corpos estavam totalmente moídos. Mas valeu: foi um ótimo passeio. Deus nos ajudou.

 

http://catalisando.com/goldenlist/araruama2000.htm

 

- c.a.t.