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Minha história em sistemas |
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Artigo: | 556-B |
Caminho sem volta: uma vez contaminado, não dá mais para escapar |
Publicado em: | 2002-12-09 | |
Escrito em: | 2002-12-02 |
Meu caminho digital começou quando eu cursava Física na PUC-Rio em 1978. Numa visita ao laboratório do acelerador Van De Graaff de partículas, dei de cara com um minicomputador DEC PDP-11. Um amigo que lá estagiava ensinou-me a dar alguns comandos na console Decwriter e fiquei fascinado -- tinha me contaminado.
DEC PDP 11/40 e Decwriter
Mas meu primeiro contato direto e real com um computador só se daria no ano seguinte, na cadeira de ICC (Introdução à Ciência da Computação), quando escrevi meu primeiro código, desta vez sabendo o que fazia, ou achando que sabia. Junto com um colega, escrevi um programeto para processar dados meteorológicos usando a linguagem WATFIV-S, sucedânea do WATFOR (WATerloo FORtran).
Para alimentar o código no computador, era preciso perfurar cartões, contendo cada um deles uma única linha de programa.
Console de um sistema IBM/370 As perfuradoras eram barulhentas máquinas KP-29 da IBM, e o computador central era um mainframe IBM/370, rodando sistema operacional OS/MVT e tendo o HASP como spooler. Os resultados vinham em listagens de formulário contínuo e virávamos madrugadas procurando erros de lógica. Veio a cadeira seguinte, CNU (Cálculo Numérico), e o encanto só fez aumentar.
Algo, porém, chamava a atenção. Eram certos cartões estranhos que precisávamos colocar antes e depois do programa em WATFIV-S. Os códigos desses cartões começavam com duas barras e continham comandos em batch para o sistema operacional. Estavam escritos numa linguagem chamada JCL (Job Control Language). Aquilo sim, era o máximo, fuxicar JCL. E tome manual, insípidas e taludas obras em papel, que foram se tornando aos meus olhos peças cada vez mais belas.
Leitora de cartões IBM 2501
Mais intrigante ainda era o enigmático cartão que só o operador tinha. Ele o inseria antes do "deck" de cartões do usuário que entrava na leitora eletromecânica IBM. Certa noite na Gávea, faltou energia e, no escuro, consegui às apalpadelas pegar emprestado o tal cartão. Aí começou a encrenca: era um cartão JOB, que continha os dados da conta que o operador usava para rodar os programas dos alunos. Copiei o dito cujo na KP-29 e vi o cartão copiado ostentar impressa aquela magnífica linha, então críptica, que nunca mais vou esquecer:
// JOB (PBTI,IMDT),'IMEDIAT/TIWCGSPL'
Era a userid/password (identificação/senha) daquela maravilhosa conta. Foi meu primeiro contato com uma senha: TIWCGSPL. A febre tinha me pego, agora não tinha mais jeito. Depois daquilo, virou hábito, lá pelas três da madrugada, eu acorrentar minha bicicleta Aranha no poste de alguma ruela próxima, pular o muro da PUC, e ir me esgueirando pelas sombras até o RDC (Rio Datacentro), onde ficavam as máquinas. Meu destino eram as lixeiras, imensas, fedorentas e asquerosas, mas cheias de cartões jogados fora. Lanterninha em punho, peguei tanta prática na garimpagem que passei a conhecer de longe um cartão JOB, só pela perfuração. Eram contas do mestrado, do doutorado, contas externas, de institutos de pesquisa, prestadores de serviço, clientes, era o paraíso. Tudo aquilo graças ao eterno e onipresente descaso dos usuários, que não destruíam os cartões que traziam suas tão secretas "passwords". Nessas ocasiões, aproveitava também o lixo dos professores: apostilas, manuais, teses, newsletters, anotações, tudo era fonte de novas e preciosas informações.
Foi então que se deu meu salto rumo à interatividade. No quarto andar do RDC, ficava a sala de terminais de vídeo, totalmente vedada a alunos da graduação. Mas eu tinha de memória as contas secretas, além de muita cara-de-pau e conversa mole. E havia outros como eu, ávidos por botar as mãos naqueles espetaculares terminais IBM 3270. Fomos nos insinuando, marcando presença e sempre lendo muito manual. Em pouco tempo, os caras menos iluminados da Pós-Graduação começaram a nos pedir ajuda nas artes do TSO (Time Sharing Option), a linguagem interativa daquelas máquinas. Foi assim que cavamos nosso espaço na confraria PBTX, o grupo de usuários avançados do Departamento de Informática da PUC, e iniciamos em luta constante contra os abomináveis e temidos mequetrefes do PBTI, o grupo de suporte, que andava nos caçando, usuários não autorizados que éramos. Para fugir à sanha incontrolável daqueles cães sanguinários, eu me metia escondido de madrugada nas salas de terminais da Física, longe do RDC, sempre usando contas de alto privilégio, sozinho, luzes apagadas. Usava só um tempinho de cada uma, para não ser pego nem dar cano grande em ninguém, já que eram centenas de senhas. Mesmo assim, volta e meia, na calada da noite, apareciam os operadores do sistema em busca do invasor desconhecido: eu. Ouvia o elevador chegando, desligava o 3270 e me metia dentro do armário. Os camaradas abriam a sala e não achavam ninguém. Funcionou umas cinco vezes, até que a turma ficou esperta. Certa noite, dois operadores do PBTI, acompanhados de seguranças da faculdade, subiram as escadas só usando meias, em silêncio total, estilo Ninja. E nessa, o espertinho aqui dançou. Fui grampeado, advertido, levei bronca de reitor, sub-reitor e acabei suspenso por escrito, durante uma semana. Guardo até hoje o papel, como troféu.
Prof. Michael Stanton
[ PBTX$MIC ]Depois de capturado, sempre prometia a mim mesmo que nunca mais sairia da linha. Mas não funcionava: essa coisa de hacker é dura de sarar. Ainda tive diversas recaídas e fui ficando mais manhoso e difícil de pegar. Até que um dia, como por encanto, aquilo tudo perdeu a graça e me voltei para algo mais interessante. Havia na Informática uma casta especial de usuários, os estóicos seguidores do mil vezes venerável guru de origem inglesa, o Prof. Michael Stanton. Eles desprezavam o TSO, usavam o Phoenix, um similar mais poderoso trazido da Universidade de Cambridge. E para editar, nada de EDIT, aquele editor meleca do TSO. O grande lance era o ZED, um poderoso editor também de Cambridge, escrito por Philip Hazel. Mas o sistema era lentíssimo e os deuses do Olimpo logo providenciaram um upgrade no monstruoso /370, introduzindo um novo ambiente nos terminais: o Interact, software da Cullinet. Pronto, agora estava todo mundo nivelado, partindo do zero -- ninguém sabia nada de nada.
Foi nesse ponto que houve uma virada na minha vida. Estava já no final do curso de Física, estagiando no Van De Graaff. Mas matava muita aula, pois virava noites nos terminais e no dia seguinte estava sempre arrebentado. Na vida amorosa, minha namorada era uma adorável esfomeada de 26 anos e eu tinha 19. Ela veio com papo de casório e eu obviamente disse que não. Resultado, ela terminou e eu fiquei arrasado. Como meu mundo estava desabando, chutei logo o pau da barraca. Percebi que estava de saco cheio das equações de Schrödinger, tranquei a Física e fiz vestibular para Análise de Sistemas na mesma e querida PUC-Rio. Consegui um estágio escravo com o grande Michael, virando na verdade um power-digitador, mas com livre acesso à biblioteca da pós-graduação e aos manuais mais cabeludos do Interact. Junto com a nata dos fuxiqueiros de então, quebramos a segurança do Interact usando uma conta parruda e o poderoso comando SET MASTER, sob os auspícios de mais um cartão JOB deixado ao léu. E foi assim que criei o legendário usuário BOIVACA com privilégios máximos no Interact, uma entidade maligna que virou o terror da rapaziada do PBTI, aqueles malditos xexelentos duma figa, com quem até hoje mantenho contato por email em clima de pura camaradagem e nostalgia.
Placa de entrada do extinto IPDIM
Bem, foi esta minha última hackerzada em mainframes. Após ter mexido em Fortran, Cobol, Assembler, PL/I, APL e outras linguagens, fui chamado por alguns freqüentadores da sagrada sala dos terminais para trabalhar como programador num montepio beneficente e depois numa empresa de sistemas, a Medidata, onde tive contato com máquinas menores, programando na notável linguagem MUMPS. Depois fiz prova para a Marinha e fui contratado como programador civil e barbudo no IPDIM (Instituto de Processamento de Dados e Informática da Marinha), sendo promovido a analista de sistemas lá no Arsenal de Marinha. O ambiente era novamente mainframe -- um IBM/4381 com DOS/VSE e bancos de dados hierárquicos. Em paralelo, aproveitava para fuxicar uns micros Cobra 305 que havia por lá (mal sabia eu do meu futuro...). O desafio seguinte foi no outro lado da Baía de Guanabara, onde peguei do zero, já como analista sênior, um fascinante e pioneiro projeto de Cartografia Náutica Apoiada por Computador na DHN (Diretoria de Hidrografia e Navegação), na Ponta da Armação, em Niterói. O ambiente que definimos foi o de um VAX-11/780 envenenado pela Intergraph, com suas elegantes workstations de duas telas. Era o sonho de qualquer profissional, a grana era ótima e eu estava de volta ao Fortran, no esplêndido sistema operacional VAX/VMS. Na equipe só tinha doidão. Perdíamos a noção do dia e da noite, éramos todos tarados pelo sistema.
VAX-11/780 DHN, na Ponta da Armação. Certo dia em 1986, resolvi me casar e pedimos demissão os dois, alugando uma Kombi na Europa e vivendo sobre rodas, sem destino, por 5 meses, visitando 13 países. Na volta, bem no aeroporto, recebi oferta de emprego na Cobra Computadores, como analista de suporte. Ou seja, acabei me tornando um dos cães sanguinários e achei até bom. A faina era num sistema também da Intergraph só que o VAX era um 11/730, mais modesto. Acabei gerenciando um time de 18 ofídios, divididos em 3 turnos, cobrindo 24 horas por dia e produzindo placas de circuito impresso, sempre em regime de urgência.
Numa tarde, em 1987, o chefe tacou na minha mesa um clone de PC-XT e uma placa. "Abra a máquina, instale esta placa e avalie este software de eletrônica". Me borrei todo, tive pesadelo à noite, mas sobrevivi. Nunca mais larguei esses brinquedinhos, tão pequenos, fáceis de usar e rápidos, mesmo com um clock de 4,77 MHz e apenas 10 MB de winchester. Usei muito OrCAD para desenhar diagramas esquemáticos de circuitos e gerar netlists para depois executar o layout das placas no software IEDS da Intergraph. Foi lá que conheci o velho Microsoft Project 1.0 para DOS e virou um chuá gerenciar vários projetos de placa em paralelo.
Meses depois, apareceu-me um tal software chamado AutoCAD 2.3, algo que novamente iria mudar os meus rumos. Graças a ele comecei a fazer bicos à noite para o Citibank. O faturamento por fora aumentou tanto que logo detonei o emprego na Cobra e abri firma própria, a AKASHA. Depois vieram outros serviços grandes para o Senac e a Shell e alcei vôo como consultor independente durante dez anos, nas asas do AutoCAD, AutoShade, AutoLisp, Animator e 3D Studio. Muitos clientes apareceram e fui me metendo em tudo que surgia pela frente, em software e hardware. Depois me envolvi com modems e BBS's e até para escrever me chamaram, ah santa Tia Cora, ano 1991, aqui no Caderninho.
Eu e minha esposa Laiz,
fantasiados para o Ragatanga.
Cora Rónai e eu.
Em 1992, mergulhei de cabeça na Internet, num retorno às raízes, pois usava as estações Sun do ICAD/TecGraf da PUC-Rio. Desde então não larguei mais da rede. Comecei a escrever aqui no jornal sobre essas coisas que ninguém ainda conhecia -- email, telnet, UNIX e FTP anônimo. Depois vieram Archie, Veronica, Gopher e por fim a Web. E a coisa se alastrou. Em 2000 virei diretor de site, no auge das ponto.com, mas com a explosão da bolha, junto com outros motivos, o que poderia ter sido um belo projeto acabou indo para o beleléu. Hoje, já casado pela segunda vez há pouco mais de um ano, continuo consultor de sistemas, contratado pela Diferencial, e atuo na brava equipe de administração de crises da Shell Brasil, pilotando um laptop Compaq Evo N600c com Windows 2000 Professional. Em casa, uso um desktop Compaq Presario 7583 rodando Windows 98, feliz da vida, mas com uma coceira danada para montar uma outra maquineta com puro Linux e nadica de Microsoft. Talvez ainda um outro computador separado para mexer só com edição de vídeo e, é claro, arranjar algum jeito mágico de o dia ter mais do que 24 horas.
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