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O GLOBO - Informática Etc.
Carlos Alberto Teixeira

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Artigo: 626 / Publicação: 2005-08-15

MEU PRIMEIRO TERREMOTO

Ilustração: Cruz, mestre dos mestres.

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Gelado ou quente, chá verde é a bebida nacional no Japão. A gente acaba entrando na onda, vira quase vício. Meia-noite, exausto, depois de um dia inteiro caminhando em Tokyo, tinha acabado de ferver água no quartinho apertado do hotel e estava rasgando o saquinho de chá quando, de repente, o cômodo inteiro começou a sacolejar. Era meu primeiro terremoto [link1, link2, link3]. Olhei para a rua, ninguém deu a mínima para o tremor, eles estão acostumados. Os próprios prédios são construídos com uma folga de pouco menos de um metro entre um e outro, permitindo que as estruturas oscilem sem se machucarem mutuamente. Tecnologia na engenharia, tecnologia em todo canto.

Nos trens e no metrô, ou a turma está dormindo ou está vidrada no celular. Dormindo porque aquele povo trabalha pra danar. Às 8h00 da manhã o metrô já está cheio e às 23h30 ainda está lotado, só que a esta hora os usuários já estão quase desmaiando de sono. Uma dona do meu lado, jovem até, dormiu de babar e emendou uma segunda, com a cabeça apoiada no meu ombro, na boa.

Mas você não vê ninguém falando no celular, é falta de educação fazê-lo em público. O pessoal ou está entretido nos joguinhos ou então está enviando e recebendo email, compulsivamente. E pior, eles escrevem em Hiraganá, um dos quatro alfabetos utilizados no Japão. A agilidade dos mais jovens no tecladinho de celular é impressionante. As telinhas são super-coloridas, de alta resolução e não se vê celular que não seja daqueles de dobrar.

Ainda sobre trens, fora a quase irritante pontualidade, o Shinkansen é uma verdadeira maravilha, o legendário trem-bala japonês. Já conheci o TGV francês e o ICE alemão, mas nada se compara ao Shinkansen, com sua máxima de 285 km/h e você nem sente que está quase voando. A sala de controle desses bólidos ferroviários parece filme de ficção científica, rodando o sofisticado sistema COSMOS (COmputerized Safety, Maintenance and Operation systems of Shinkansen). No caminho de Tokyo para Nagasaki, quando você sai da ilha de Honshu e entra na de Kyushu, termina a linha do Shinkansen e começa a do Kamome, um trem um pouco mais lento mais muito mais high-tech e estiloso, com design absolutamente futurista. No primeiro vagão eles humilham -- o vidro que separa a cabine do piloto da sala onde estão os confortáveis assentos não é um vidro comum mas sim três lâminas de display LCD. Quando o trem pára na estação elas ficam opacas, como que esfumaçadas. Quando o trem começa a se movimentar, elas voltam a ficar transparentes, como vidro comum.

Em Tokyo, para quem gosta de eletrônica e informática, o lugar mais sagrado se chama Akihabara, mais especificamente a Electric Town, distrito que concentra o maior número de estabelecimentos comerciais de alta-tecnologia do mundo. Quase pirei quando saí da estação de trem e me vi no meio daquele turbilhão de gente, letreiros, sons, odores e luzes. Você encontra rigorosamente qualquer coisa que procurar ali naquele pedaço. As lojas são bem iluminadas, arejadas, passando uma impressão de limpeza e honestidade. Mesmo nas barraquinhas menores, não se tem nunca a impressão de que o comerciante vai lhe enganar nem lhe empurrar algo que não esteja perfeito. Os preços são tentadores, dada a concorrência selvagem. Akihabara começou como um mercado negro de peças para rádio depois da Segunda Guerra. Ainda hoje há lojinhas modernas vendendo válvulas antigas, daquelas de bulbo de vidro mesmo. Os clientes delas são geralmente coroas fissurados em eletrônica, mas há também garotões que vêem nos aparelhos antigos peças essencialmente cult. Mas o resto da galera é pura juventude. Com exceção de lojas como Laox, Sofmap, Computer Kan e T-Zone, Akihabara não é o lugar ideal para o estrangeiro que está a fim de comprar hardware ou software, pois em geral os produtos lá vendidos são para o consumidor japonês, nada de manuais em inglês. O idioma local é o tecnologês, sempre com o indefectível sotaque nipônico: "inkjet printer" vira "inkujétto purínt". Se quiser comprar com cartão de crédito é só dizer "curéditto cardo". Seja como for, um passeio pela Electric Town serve bem para a gente se sentir pequenininho diante da pujança tecnológica desse povo gentil da terra do sol nascente.

Se a leitora se sentir perdida em Akihabara e quiser encontrar tudo do bom e do melhor em termos de tecnologia (e muito mais), vá à Bic Camera em Shinjuku-ku, uma loja absolutamente espantosa, num prédio de oito andares perto de Ginza, centrão de Tokyo. Meu pai quase não agüentou e pediu para sair, tal a opressiva variedade de produtos naquela ambiente super-iluminado, ultra-clean e visualmente poluído com cartazes explicativos em Kanji. É um paraíso de câmeras convencionais e digitais, lentes pequenas, médias e grandes, computadores, DVDs, relógios, brinquedos, instrumentos musicais, TVs, aparelhos de som e até equipamentos de ginástica, golfe e eletrodomésticos.

O lado triste do Japão é o da solidão. Assalariados engravatados saem do serviço tarde e se metem a beber. Estava eu falando numa cabine telefônica em Ginza e um quarentão japonês bem vestido, terno e gravata, totalmente mamado, veio cambaleando pela calçada carregando sua mala de executivo. Tropeçou e caiu de cara no chão. Umas dez pessoas estavam em volta, todos viram, mas continuaram impassíveis em seus rumos. Interrompi a ligação e fui levantar o camarada, que estava com a cara sangrando. Foi só eu abraçar o cabra e aquelas mesmas pessoas que o desprezaram segundos antes vieram acudir. Super estranha a reação. Fui para a cabine ligar novamente e, dez minutos depois, quem me aparece? O bebum! Bafo forte de birita, o cara me abraçou, me afagou, e com os olhos marejados disse um monte de coisas que não entendi, obviamente me agradecendo. E depois, apesar da minha resistência quando notei, acabou me enfiando uma nota de mil ienes dentro da camisa como forma de reconhecimento.

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De resto, em qualquer bairro de qualquer cidade no Japão o que mais se vê são lojas de Pachinko, uma febre viciante que assola o país. São lojas em que se ouve música estridente, cheias de máquinas parecidas com caça-níqueis em que o desafio é direcionar bolinhas de metal, num jogo compulsivo e mecânico, em que os freqüentadoras passam horas e horas a fio.

Ponto tocante na minha visita foi o dia memorial em Hiroshima, em que se comemora o fim da guerra. No prédio do memorial, uma infra-estrutura admirável de computadores para o público, em que se pode consultar nomes, fotografias e a história de cada uma das vítimas conhecidas, além de se poder assistir a relatos em vídeo dos sobreviventes daquela monstruosidade. No dia 6 de agosto de 2005 às 8h15 da manhã, estávamos lá eu e meu velho no momento exato em que, há 60 anos, explodia a primeira bomba atômica. A praça central da cidade estava apinhada de gente vinda do mundo inteiro clamando pela paz, centenas de milhares de pessoas em silêncio, só o sino grave tocando várias vezes e pássaros cantando aqui e ali. Não sei se alguém conseguiu conter as lágrimas.

 [ Todas as FOTOS DA VIAGEM em: http://catalisando.com/japan2005 ]

[ Vide coluna anterior também sobre esta viagem. ]


Os links de hoje estão em catalisando.com/infoetc/20050815.htm

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